O Brasil é o segundo maior transplantador do mundo, só fica atrás dos Estados Unidos. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem o maior programa público de transplantes de órgãos do mundo. Em meio à repercussão do caso dos seis transplantados contaminados pelo vírus HIV, no Rio de Janeiro, a CBN fala sobre o transplante de órgãos e a possibilidade de nova vida para o paciente. No Estúdio CBN, os âncoras Tatiana Vasconcellos e Fernando Andrade entrevistam duas especialistas no assunto: a infectologista da Unicamp e Membro da Comissão de Infecção em Transplantes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos ( ABTO), Raquel Stucchi, e a jornalista, CEO de Corpo Cabeça Coração, idealizadora do Projeto Cicatrizes – o movimento da doação, Renata Veneri.
Ouça abaixo a entrevista completa:
Ao comentar o caso dos seis pacientes transplantados e contaminados pelo HIV, no Rio de Janeiro, Raquel Stucchi ressalta que o fato foi gravíssimo e destaca a consistência das regras.
“Nossa legislação de transplante é muito rígida. São regras avaliadas e depois publicadas até pelo Sistema Nacional de Transplante e pela Anvisa. É um fato lamentável, gravíssimo, que é muito mais até da esfera policial do que qualquer outra coisa e que nunca tinha acontecido antes”, diz.
Hoje em dia, o Brasil proíbe doadores HIV positivo. À CBN, Stucchi explica de que forma é o processo de doação de órgãos atualmente no país e cita o protocolo em caso de morte encefálica.
“O paciente está internado em uma unidade de terapia intensiva, porque teve um acidente de trânsito ou um AVC, e, depois, tem um diagnóstico de morte encefálica. Um neurologista atesta a morte encefálica. Ele é um possível doador, a equipe conversa com a família. A família, dando o aceite, são feitos os exames iniciais”, destaca. “Não basta ter morte encefálica. Se o paciente tiver uma infecção, uma suspeita de tuberculose ativa, mesmo entrando em morte encefálica, ele não será um doador. A gente vai fazer os exames de triagem, exames de sangue, que são o HIV, obrigatoriamente, em todo doador. Se vier exame positivo para HIV ou para o outro vírus, como o HTLV, pronto, aquele doador já não é mais um doador”.
Renata Veneri, CEO de Corpo Cabeça Coração e idealizadora do Projeto Cicatrizes – o movimento da doação, conta qual o objetivo da iniciativa.
“É um projeto que parte dessa necessidade que a gente tem de disseminar a cultura da doação de órgãos. Conheci pessoas transplantadas de coração, de rim, de fígado, pulmão, que tem ali uma gana de viver e uma saúde invejável. Eu imaginei que o transplantado tivesse uma série de impossibilidades de ter uma vida mais ativa, de praticar um esporte, e eu fui descobrindo que não. Você tem a possibilidade de a família doar. A família precisa dizer sim para que a doação aconteça. As pessoas não falam, elas não se identificam como doadoras. É isso que o Projeto Cicatrizes faz em várias plataformas diferentes e é muito importante que a gente converse. O Brasil é uma referência. É uma solidariedade, é realmente uma continuidade Foi um susto [a contaminação das seis pessoas no RJ] e a gente não pode deixar que isso contamine também essa questão toda”, conta.
A infectologista da Unicamp Raquel Stucchi explica como funciona o Sistema Nacional de Transplantes, que regulamenta o passo a passo do transplante de órgãos e tecidos no país.
“O Sistema Nacional normatiza os exames feitos para todos os doadores e os critérios de aceite e recusa. Depois nós temos as Centrais Estaduais de Transplantes. O paciente tem uma doença de um órgão, uma doença terminal de um órgão, ele vai morrer em poucos meses se não transplantar e o objetivo do transplante é devolver o paciente para a sociedade com vida. Então, a pessoa ela precisa ser encaminhada para um centro transplantador, tem critérios para a gente, é todo o que preciso ter, insuficiência renal ou de doença pulmonar crônica para me inscrever para um transplante, para eu ser elegível para transplantar. Cada órgão tem as suas regras e isso é nacional. E eu me inscrevo num serviço único de transplante e daí eu só posso me inscrever num único serviço”, explica.
Após isso, a pessoa é avaliada e tem a documentação encaminhada para uma câmara técnica de transplante, onde vários médicos checam se a pessoa preenche os critérios para ser um receptor. E ele entra numa lista de transplante. Em seguida, o paciente recebe um número de identificação que pode ser acessado para saber a posição da lista que ele está.
Stucchi complementa, dizendo que a pessoa pode acompanhar todo o processo.
“Ele fica ali, acompanha para e passo. E a posição na lista de transplante para a maior parte dos pacientes é uma posição que é muito dinâmica. Hoje ele pode ser o quinto numa lista de transplante, mas se amanhã cedo inserir um paciente mais grave do que ele, por exemplo, ele pode passar a ser o sexto”, diz. “Então eu tenho os candidatos listados no grupo, no tipo sanguíneo O, no tipo sanguíneo B e é assim que funciona o órgão oferecido para eles. E quem faz contato com a equipe transplantadora não é o médico que está atendendo o paciente lá, o doador”.