Militares ocuparam a Praça Murillo, onde fica o palácio presidencial da Bolívia, em La Paz, nesta quarta-feira (26). Em entrevista a Vera Magalhães, Carolina Morand e Guilherme Muniz, no Viva Voz, o professor de política internacional Paulo Velasco, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explicou o contexto da tentativa de golpe. Saiba mais abaixo:
Cenário de turbulência em 2019
Em 2019, segundo o professor, o ex-presidente Evo Morales tentava concorrer ao quarto mandato presidencial. Depois de realizar eleições, consideradas como fraudadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA), Morales foi pressionado a deixar o poder por uma junta militar
“Muitos lembramos daquela imagem dos oficiais generais bolivianos indo à televisão em 2019 para pedir o que seria a renúncia do Morales, mas uma parte de grande população entendeu aquilo como um golpe de Estado”, relembrou.
Após a renúncia de Evo Morales, a advogada Jeanine Áñez Chávez autoproclamou-se presidente interina do país, em um governo que, segundo Velasco, foi “turbulento”. Em 2020, o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, foi eleito. Pouco tempo após a eleição, Luis Arce e Evo Morales, então aliados, romperam.
“Houve uma decisão judicial que inabilitaria o Morales de concorrer em eleições no ano que vem, porque a Constituição não permitiria que um presidente que tivesse ocupado o cargo por três vezes pudesse pleitear mais um período como presidente da República. Só que Morales não se convenceu com essa decisão judicial, que ele atribuiu a pressões do Luis Arce, atual presidente, que era seu amigo até bem pouco tempo e, hoje em dia, se tornou seu desafeto”, diz.
Declarações de ex-comandante acentuaram a disputa
No início desta semana, o agora ex-comandante do Exército Juan José Zúñiga afirmou que não deixaria Evo Morales voltar ao poder em 2025. A declaração levou à sua demissão. Evo Morales, no entanto, tem grande apoio popular, como lembrou o professor Paulo Velasco.
“Então, sim, tem tudo a ver com a tentativa do Morales de voltar a concorrer às eleições no ano que vem, algo que o Luis Arce não quer e o comandante do Exército disse que impediria, que as tropas impediriam”, argumentou o professor.
“A demissão do comandante acabou levando a esse levante de parte das tropas”, completou.
Mobilização internacional
O professor comentou a importância da mobilização internacional, principalmente de países como os Estados Unidos, com grande atuação mundial, em um momento como esse.
“O rechaço imediato da comunidade internacional é fundamental. Os EUA são um ator essencial dentro da Organização dos Estados Americanos e dentro do contexto global mesmo. É o papel de grandes atores, como EUA e Brasil. E torçamos para que de fato isso ajude a desinflar esse movimento golpista”, explica.
Arce, Morales e a população
Paulo Velasco analisou que, apesar de ter sido sucessor de Morales, e ter tido uma relação de convergência com ele, sobretudo quando Morales foi impedido de concorrer em 2019, Arce é mais frágil, no que se refere ao vínculo com a população.
Para o professor, o fato de Morales ter transformado a Bolívia, nos 14 anos de governo, com uma reforma constitucional robusta, tem grande peso no imaginário popular. Isso, segundo o especialista, dá a Morales uma projeção política e carisma que o diferencia do hoje adversário.
“Arce ganhou espaço na vida política boliviana pelos vínculos que teve ao longo de sua vida com o Evo Morales, e foi escolhido como sucessor do Morales, quando este foi impedido de concorrer em 2019. Mas essa relação entre os dois não perdurou, pois Luiz Arce se sentiu na sombra da influência do Evo Morales, tentou se descolar do ex-presidente, e protagonizou embates, sentindo-se ameaçado com a possibilidade do Morales concorrer às eleições.
Então, Arce é uma figura política bastante frágil, se a gente compara com o Evo Morales, não tem os vínculos com a sociedade boliviana que tem o Evo Morales”, observou