No coração de Birmingham, em um distrito que já foi o centro industrial da segunda maior cidade da Inglaterra, existe uma peregrinação. Ela passa por antigas fábricas, edifícios abandonados e te leva por pubs tradicionais cheios de caráter e história.
Mas o destino que você alcança não é exatamente um local de adoração – pelo menos, não no sentido tradicional. O St. Andrew”s, o estádio que o recebe no final desta jornada, ergue-se imponente. Ele tem sido a casa do clube de futebol Birmingham City FC por mais de um século.
Os Blues – como o time é conhecido – são amados nesta parte da cidade desde sua fundação como Small Heath Alliance em 1875. Acima do estádio, três bandeiras tremulam. Duas delas são mais do que esperadas de se encontrar neste estádio: uma com o brasão do clube e outra com a cruz de São Jorge que adorna a bandeira nacional da Inglaterra.
Mas a terceira é mais surpreendente: a bandeira dos Estados Unidos, com suas famosas estrelas e listras.
Choque cultural
A bandeira americana tem tremulado sobre o St. Andrew’s há mais de um ano, desde que o combalido Birmingham City foi adquirido pela Knighthead Capital Management, sediada nos Estados Unidos, que tem como parceiro na propriedade do clube Tom Brady, lenda da NFL, a liga de futebol americano dos EUA.
Brady e o cofundador da Knighthead, Tom Wagner, prometeram, do outro lado do Atlântico, rejuvenescer o clube dentro e fora do campo. Com eles, a propriedade trouxe um otimismo que frequentemente parece único dos americanos. Os britânicos, em particular os torcedores de futebol britânicos, não são geralmente conhecidos por seu positivismo.
“Há algo como um choque cultural acontecendo aqui”, disse o torcedor do Birmingham Daniel Ivery à CNN Sport. “Muitas pessoas não gostam de mudanças. Eu, pessoalmente, não gosto especialmente da americanização do esporte. Espero que não comecemos a tocar música depois que marcarmos gols!”
Mas enquanto há uma resistência à mudança, há um reconhecimento generalizado de que novas ideias são necessárias. O time não joga na Premier League – a primeira divisão do futebol inglês – desde a temporada 2010-11. Além disso, chegou perto da falência várias vezes entre 2011 e 2023 e pagou o preço pela má gestão sob proprietários anteriores, com direito a um embargo de transferências e uma dedução de nove pontos em 2019.
A venda do maior produto da base do clube, a estrela do Real Madrid e da Inglaterra Jude Bellingham, para o Borussia Dortmund em um acordo relatado em 38 milhões de dólares (30 milhões de libras) em 2020 ajudou a aliviar parte da ansiedade em torno da situação financeira do clube. Agora, ele busca um futuro mais brilhante.
Gestão americana
Nos 15 meses que se passaram desde que Wagner e Brady compraram o clube, no entanto, a sorte do time tem sido mista. Na primeira temporada sob a nova propriedade, o Birmingham foi rebaixado para a terceira divisão do futebol inglês.
Aquela temporada foi repleta de controvérsias, principalmente a decisão de demitir o popular técnico John Eustace e substituí-lo pelo ex-astro do Manchester United e da Inglaterra Wayne Rooney. O experimento Rooney, embora audacioso, não funcionou, e apesar do Birmingham ter demitido o ex-atacante em janeiro, o dano já estava feito e o time estava destinado ao rebaixamento.
Agora, em vez de jogar contra os maiores times do país, o Birmingham está na terceira divisão do futebol inglês, pressionando os glamourosos proprietários do clube a promoverem mudanças.
Por outro lado, o perfil global do time certamente foi elevado sob a nova propriedade. Em setembro de 2024, o St. Andrew”s testemunhou uma das noites mais estreladas de sua história quando Brady foi acompanhado no estádio por nomes como David Beckham, o ator Rob McElhenney e outras celebridades para assistir os Blues enfrentarem o Wrexham – outro clube das divisões inferiores que sabe como é ser adquirido por alguns americanos ricos.
A partida de volta, realizada no Racecourse Ground em Wrexham, deve ser tão popular nos EUA que será transmitida em “locais de entretenimento imersivo” em Los Angeles e Dallas, que “simulam as experiências do público presente no estádio”. Há informações de disponibilidade limitada devido à popularidade esperada do jogo.
Otimismo com o futuro
Ivery, um torcedor do clube há muito tempo, escreveu um livro sobre sua tumultuada história recente. Apesar da baixa posição do time na liga, ele permanece otimista de que os novos proprietários podem ter uma influência positiva. “Fomos rebaixados, mas há esperança”, disse Ivery à CNN. “E isso é algo que as pessoas aqui não tinham há muito tempo”.
O nível de investimento no Birmingham City até agora pela Knighthead Capital, que incluiu quebrar o recorde de transferência da League One após contratar Jay Stansfield em um acordo de até 15 milhões de libras, deu a Ivery confiança nos proprietários. E apesar do erro de nomear Rooney em um momento crucial para o clube, ele está certo de que Wagner e companhia aprenderam sua lição.
Ele aposta que os proprietários levarão os Blues de volta ao Championship (segunda divisão da Inglaterra), já que o Birmingham atualmente lidera a terceira divisão, e depois à Premier League.
Torcida “raiz”
Mas, embora empolgado com a escala das ambições dos novos proprietários, Ivery também pede cautela. Ele não tem desejo de ver as tradições do Birmingham City serem deixadas de lado em favor de agradar novos fãs e seguidores, que foram apresentados ao clube por seus ricos proprietários americanos.
No início desta temporada, por exemplo, após o jogo em casa esgotado contra o Wrexham, o CEO do Birmingham City, Garry Cook, revelou que achava a possibilidade de a partida ser jogada nos EUA uma “ótima ideia”. O fato de haver sequer uma consideração de que uma partida competitiva dos Blues pudesse ser jogada no exterior foi recebida com fúria por alguns torcedores.
Para muitos, a própria ideia era insultuosa e representava um abandono dos torcedores leais em Birmingham que não podem pagar para voar até os Estados Unidos.
“É preciso ter cuidado para não alienar os torcedores que estão lá desde o início”, disse Ivery. “Você não pode simplesmente se desconectar deles para cortejar novos”.
“De alguns torcedores mais velhos, há uma nostalgia pelas arquibancadas do passado e até mesmo pelos assentos desconfortáveis e aquela espécie de rusticidade ao redor do estádio”, acrescentou. “Mas isso é passado agora. Temos que pensar no futuro. Aqueles que usam óculos cor de sépia estão desaparecendo e eventualmente se tornarão uma minoria dentro do clube”.
Wagner, em uma carta aberta em 2023, disse que queria os torcedores “envolvidos na jornada conosco” e disse que entendia que o clube era “parte do tecido social de uma grande cidade que agora está em ascensão”.
Os novos proprietários do clube fizeram grandes promessas sobre a transformação do clube e da área ao redor, com planos para um “Bairro Esportivo” que abrigaria um estádio renovado, um centro de treinamento e um centro de “eatertainment”. “Eatertainment” é uma expressão cunhada por Wagner para descrever uma combinação de restaurantes, complexos esportivos e entretenimento.
Mas, por enquanto, ainda há uma rusticidade ao redor do Birmingham City e essa autenticidade proporciona um senso de romantismo entre alguns torcedores. Os pubs discretos ao redor do estádio têm uma clientela exclusivamente composta por torcedores locais leais nos dias de jogo. De muitas maneiras, é uma parte essencial da experiência.
Muitos desses pubs dependem dos Bluenoses para gerar receita no fim de semana, mas, segundo alguns torcedores, as coisas estão mudando. Alguns dizem que cada vez mais torcedores têm passado as horas antes dos jogos no estádio e bebendo lá, em vez de nos pubs.
“Entendemos o papel fundamental do Clube para a cidade, econômica, social e culturalmente. Planejamos ser uma pedra angular; uma força positiva na comunidade local onde operamos”, disse Wagner em sua carta aberta.
Debbie Fletcher é uma torcedora dos Blues que conhece tudo sobre a importância da tradição Uma torcedora fiel do Birmingham City, que mal perdeu um jogo nos últimos 40 anos, viajando por toda parte para seguir seu amado clube. Ela está otimista com os Blues.
Apesar do rebaixamento na última temporada, ela diz à CNN Sport que “o sentimento nunca foi tão bom”. Os novos proprietários, ela acrescenta, “chegaram cheios de vida” e, embora ela e outros se perguntassem se eles permaneceriam quando o Birmingham City caiu para a League One, ela agora diz estar confiante de que eles vieram para ficar.
Mas ela também está cautelosa quanto às armadilhas que podem vir com o sucesso repentino e conta uma história preventiva sobre outro clube que se viu impulsionado da mediocridade à popularidade global após uma aquisição por investidores ricos.
“O Manchester City costumava ter uma torcida incrivelmente apaixonada e vocal no passado”, disse Fletcher. “E parece que isso se perdeu um pouco, agora que há tanta demanda por ingressos para ver um dos melhores clubes de futebol do mundo. Suas arquibancadas costumavam estar cheias de torcedores que os seguiam há anos e isso não é mais o caso”.
Embora os Blues não estejam exatamente no mesmo nível do Manchester City, vencedor da tríplice coroa, Fletcher já notou um aumento de novos torcedores afluindo ao St. Andrew”s, sem mencionar a lenda da NFL Brady, que atravessa o Atlântico apenas para assistir aos jogos com seus óculos aviador.
Apenas um olhar ao redor da área local, com suas fábricas esquecidas e suas imponentes estruturas metálicas, mostra que este é um lugar construído por trabalhadores. E a grande população da classe trabalhadora de Birmingham, incluindo Fletcher, não quer perder completamente o clube pelo qual se apaixonou.
“De repente, todo mundo quer um ingresso!”, disse Fletcher. “E conforme os holofotes sobre nós ficam mais brilhantes, muitos de nossos jogos estão sendo remarcados para serem exibidos na TV. Embora isso seja maravilhoso, significa que os torcedores que frequentam os jogos estão tendo que mudar seus planos para acomodar os novos torcedores.
“E não é barato reorganizar viagens para as partidas. Você tem Bluenoses que já investem tanto dinheiro no clube e, agora, eles podem estar perdendo espaço. Somos um clube do trabalhador. E espero que não percamos essa essência, mesmo enquanto crescemos e mesmo se voltarmos à Premier League algum dia. Sei que os proprietários buscarão torcedores mais modernos e mais sucesso comercial, mas não quero que esqueçamos quem somos e quem o Birmingham City representa”, concluiu.
Uma cidade com potencial
No entanto, há um reconhecimento de que o investimento americano glamouroso no clube, apesar de seu potencial para excluir torcedores locais por preço, pode ser exatamente o que a cidade precisa. Depois de Londres, Birmingham é a cidade mais populosa do Reino Unido. E, ainda assim, seu desenvolvimento está estagnado em comparação com a capital e a potência do norte, Manchester.
Algumas partes do enorme centro da cidade, especialmente aquelas próximas ao St. Andrew”s, parecem cada vez mais carentes. Prédios abandonados e deteriorados são uma visão comum, enquanto projetos de construção inacabados e não iniciados podem ser encontrados por toda a cidade. Marcos históricos e fontes de orgulho local – como o cinema mais antigo em funcionamento no Reino Unido – caíram em desuso.
Em 2024, o Conselho Municipal de Birmingham – a maior autoridade local da Europa – declarou falência. Desde então, houve cortes no setor público da cidade, junto com sua cena artística e cultural, e os residentes viram um aumento nos impostos locais.
Wagner, Brady e companhia estão prometendo não apenas revitalizar um clube atolado na lama, mas também revitalizar a cidade. A esperança é que o clube possa ganhar uma legião de novos fãs do outro lado do oceano que estejam dispostos a levar a cidade em seus corações – mesmo que isso signifique deixar o passado para trás.
“Esta é uma grande aposta na cidade de Birmingham”, disse Ivery sobre a era Wagner e Brady. “E devemos agarrá-la com as duas mãos”.