O gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, teria ordenado, de forma não oficial, a produção de relatórios pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para embasar decisões dele contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro no âmbito do inquérito das Fake News durante e depois das eleições de 2022. O caso foi revelado nesta terça-feira (13) pela Folha de São Paulo.
A reportagem afirma que conseguiu acesso a seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes por meio de pessoas que tiveram acesso ao conteúdo.
A denúncia mostra que, a partir dos pedidos informais, o TSE teria sido utilizado como um braço investigativo do gabinete de Moraes. Em algumas conversas, além de pedidos por relatórios de ações de bolsonaristas, em especial nas redes sociais, os assessores relatam irritação com o ministro diante da demora no atendimento às suas ordens.
O maior volume de mensagens com pedidos informais envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no Supremo, e Eduardo Tagliaferro, um perito criminal que à época chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE.
Tagliaferro deixou o cargo no TSE em maio do ano passado, após ser preso sob suspeita de violência doméstica contra a esposa.
O que dizem as conversas?
Entre as conversas envolvendo o juiz instrutor de Moraes e o ex-perito criminal do TSE, estavam pedidos por realização de relatórios sobre postagens dos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, ex-apresentador da Jovem Pan. Os dois chegaram a atacar o sistema eleitoral, descredibilizaram as urnas eletrônicas e fizeram ofensas a ministros do Supremo.
Em um dos diálogos entre Airton Vieira e Tagliaferro, publicados pela Folha de S.Paulo, o juiz instrutor de Moraes deixa claro que os pedidos partiram do ministro e diz inclusive que quando Moraes “cisma” com alguma coisa, é uma tragédia.
“Talvez, seja mais interessante colocar, Eduardo, alterando, pelo seguinte: quem mandou isso aí exatamente agora foi o ministro. E mandou dizendo: ‘ah, vocês querem que eu que faça o laudo?’. Ele cismou com isso aí. Como ele está nesses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando, né?”
Tagliaferro chega a responder que o volume de pedidos era grande, mas que faria a inclusão de novas informações, conforme pedido pelo juiz instrutor Airton Vieira.
“Mas, tem coisas que fundamenta. Ele quer que coloque mais ainda? Na verdade, ele quer que coloque o que ele acha, né? Eu altero. O que tem é mais que essencial para isso. Eu vou alterar aqui rapidinho”
O juiz instrutor de Moraes ainda indica ter ciência da irregularidade dos pedidos diretos que fazia a Tagliaferro para envio dos relatórios posteriormente utilizados para embasar medidas cautelares contra bolsonaristas. Airton ainda solicitou que “em vez de usar STF”, “usar TSE”.
“Eu até pensei em colocar meu nome: ‘de ordem do juiz Airton Vieira, etc, etc’. Mas, pensando melhor, fica estranho, porque eu não tenho como mandar para você, que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma coisa e você me atender, sem mais nem menos. Eu teria que mandar um ofício para o presidente do TSE, pedindo para que ele passasse e depois repassasse essa ordem para você, para que você me atendesse. Embora, saibamos que, entre nós, as coisas são muito mais fáceis, justamente porque temos o mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro, mas eu não tenho como, formalmente… se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”
Ao menos parte desses documentos foi usada pelo ministro para embasar medidas criminais contra bolsonaristas, como cancelamento de passaportes, bloqueio de redes sociais e intimações para depoimento à Polícia Federal.
Aliados de Bolsonaro reagem
Depois da publicação da reportagem, houve reação de parlamentares alinhados ao ex-presidente.
O vice-líder da oposição no Senado, Eduardo Girão (Novo), disse que conversou com outros senadores e promete formular um pedido coletivo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. As postagens ainda cobram uma reação do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
O ex-procurador da Lava-jato, Deltan Dallagnol, disse que o caso é “mil vezes pior” que a Vaza Jato, em que foram vazadas mensagens entre os integrantes da Operação Lava-jato, demonstrando um suposto conluio entre promotores e o ex-juiz Sergio Moro.
O que diz Moraes?
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, divulgou nota sobre o caso:
O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais.
Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.
Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.