Foi assistindo a vídeos como esses nas redes sociais que o tradutor Dulce Cornelius, de 29 anos, começou a desconfiar que tinha TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Ele já faz acompanhamento psiquiátrico há quase uma década, e decidiu, então, levar o assunto para os médicos.
“Eu tava suspeitando bastante de TDAH e, por meio de alguns vídeos do TikTok, comecei a desconfiar muito mais, porque eu não estava conseguindo fazer atividades muito básicas do dia a dia, como trabalhar e estudar, da forma como as pessoas neurotípicas [sem transtornos] conseguem. Levei isso pra minha psiquiatra e fez muita diferença. A gente foi rastreando, desde a minha infância, com tudo que eu já tinha compartilhado em terapia também, e foi possível começar a medicação há algumas semanas”, conta.
Mas a onda de conteúdos com “dicas” e até memes de como identificar o transtorno têm preocupado especialistas.
Se distrair com facilidade, esquecer coisas com frequência, impulsividade são, em geral, alguns sintomas característicos de TDAH. Mas também podem se manifestar por causa de uma “agitação” pontual ou um cansaço específico após uma semana intensa no trabalho ou na escola.
Por isso, o psiquiatra e mestre em Saúde Pública Bruno Pascale Cammarota afirma que um diagnóstico fechado de TDAH é feito a partir de uma análise interdisciplinar, com médicos e psicólogos, e depende de exames e entrevistas com o paciente. Um processo longo – que dura muito mais do que um vídeo de rede social.
“Não é apenas uma consulta ou um exame que diz se alguém tem TDAH. São necessários vários tipos de intervenções, como anameneses (entrevistas), exames da parte neurológica, eletroencefalograma, ressonância magnética… A partir daí, podemos excluir outras doenças, como alguns tipos de epilepsia, atrasos motores que o indivíduo possa vir a ter, ansiedade, depressão, entre outras. Por isso é importante ter um acompanhamento longitudinal, mais amplo”, ressalta.
Além de um diagnóstico precoce ou do autodiagnóstico, especialistas também alertam para o uso de remédios controlados sem orientação médica. Um dos medicamentos indicados para o transtorno é a lisdexanfetamina. O Venvanse, nome comercial nas farmácias, é um estimulante do sistema nervoso central e pode ajudar a aumentar a atenção, e diminuir a impulsividade e a hiperatividade. Mas os efeitos adversos do remédio incluem insônia, ansiedade, irritabilidade, agressividade e até convulsões e problemas cardiovasculares.
A farmacêutica Walleri Reis, coordenadora do Grupo de Trabalho de Educação Permanente do Conselho Federal de Farmácia, afirma que tomar remédios sem orientação médica pode levar a um “efeito cascata”.
“É como se a gente colocasse a vida em caixinhas. Exemplo: eu estou triste, não consigo focar direito nas minhas coisas. Então, começo com um estimulante para tratar isso. Ah, isso gerou ansiedade; eu tomo um antidepressivo, que tem função antiolítica. Mas o estimulante tira o sono, então, começo com hipnótico… É uma cascata, quando, muitas vezes, a questão é realmente entendermos que precisamos de uma vida equilibrada”, explica.
A jornalista Thata Finotto recebeu o diagnóstico de TDAH aos sete anos. Hoje, ela é criadora do podcast Tribo TDAH, que funciona como uma rede de acolhimento de quem tem o transtorno. Pra Thata, o diagnóstico deve ser levado a sério e deve ser feito por especialistas.
“As pessoas estão realmente precisando levar o assunto a sério e entender que algumas condições não são questão de força de vontade ou de a gente querer se encaixar em um padrão da sociedade. A gente só tem um cérebro que funciona de forma diferente. Existe um estigma muito grande de transtornos mentais na sociedade de uma forma geral, sendo que não deve existir um julgamento de valor. Quem tem uma neurodivergência não é melhor ou pior do que ninguém”, destaca.