Em visita à Argentina, onde se reuniu nos últimos dias com representantes da sociedade civil, integrantes do Executivo e do poder judiciário, a diretora para as Américas da organização de direitos humanos Human Rights Watch, Juanita Goebertus Estrada, disse que o desafio do país é “demonstrar se, em um cenário de embates”, como o promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil contra o judiciário, o país conseguiria defender suas instituições democráticas.
De acordo com Estrada, a organização monitora há décadas a situação no país e, recentemente, tem detectado “possíveis riscos quanto ao Estado de Direito e à proteção dos direitos humanos”. “Estamos aqui para ouvir diferentes vozes, nos reunir com o governo, com a sociedade civil, membros do poder judiciário e avaliar de maneira mais detalhada se esses riscos estão realmente se consumando”, explicou à CNN sobre a visita.
“Temos algumas preocupações sobre declarações do presidente [Javier Milei] relacionadas ao Estado de Direito. A maneira com a qual a relação entre o governo e o Congresso foi conduzida nos preocupa. Um dos controles essenciais em uma democracia é a separação de poderes, e vamos monitorar de maneira muito detalhada a relação entre a presidência e o poder Judiciário”, disse a diretora da organização.
À CNN, Estrada manifestou preocupação por medidas como decreto de necessidade e urgência assinado pelo chefe de Estado argentino, que eliminou e modificou, em dezembro, centenas de leis que tinham sido aprovadas pelo parlamento, e o envio ao Congresso da “lei ônibus”, que reformava diversos aspectos da administração pública, mas acabou tendo vários artigos rejeitados e acabou sendo retirada de discussão pelo governo.
Outro ponto de preocupação é o protocolo “anti-piquetes” implementado pela atual ministra da Segurança do país, Patricia Bullrich, que impede o bloqueio de ruas por manifestantes e leva o governo a colocar centenas de integrantes de forças de seguranças nas ruas durante protestos. “Contemplam algumas medidas concretas de restrição de direitos, como do direito ao protesto e a forma com que vão lidar com eles daqui para frente”, explicou, afirmando que a organização manifestou essas preocupações para o governo argentino.
No Brasil, diz Estrada, o escritório da organização em São Paulo registrou diferentes casos “graves de violações ao Estado de Direito, de corrupção, uma série muito delicada de violações aos direitos humanos por parte de policiais, em termos de segurança pública, de uso da força” nos últimos governos.
No entanto, segundo ela, quando sob o governo de Jair Bolsonaro, houve tentativas para afetar a independência judicial, para inclusive não reconhecer resultados eleitorais, as instituições brasileiras, e particularmente a justiça, conseguiu resistir e defender a institucionalidade diante do autoritarismo”. Para ela, o desafio argentino é, diante de possíveis enfrentamentos de Milei com os demais poderes, o país demonstrar que resiste e defende suas instituições democráticas.
Questionada pela CNN, Estrada preferiu não comentar a investigação ao ex-presidente sobre tentativa de golpe de Estado. “Estamos acompanhando, mas ainda não fizemos um pronunciamento sobre o caso”, explicou.
Com relação à Argentina, ela também manifesta preocupação com denúncias que recebeu de cortes de envios de alimentos para refeitórios populares. “Os recursos não estão chegando para pessoas que realmente precisam de acesso à comida. Recebemos fortes denúncias de restrição de direitos econômicos e sociais pelo bloqueio de desembolsos de recursos, mas ainda estamos investigando. Continuaremos monitorando, e devemos ter resultados mais contundentes em breve”, concluiu.
Apesar da alta inflação, que ronda os 20% mensais e castiga o bolso dos argentinos, o governo Milei afirma que irá acabar com os intermediários para o envio de auxílio à população mais necessitada. Segundo a administração ultralibertária, esses mediadores atuam como “gerentes da pobreza”.
Uma das medidas governamentais para mitigar o impacto da inflação nas camadas sociais mais pobres foi duplicar o montante do cartão alimentar, auxílio governamental para a compra de alimentos pelos setores pobres, que já são, segundo o Observatório da Dívida Social da Argentina, mais de 57% da população.