O governo do Rio de Janeiro iniciou um novo processo para contratação de um laboratório que vai atender à Central Estadual de Transplantes e outras dez instituições de saúde do Rio. A CBN teve acesso aos documentos que dão início aos estudos preliminares e à demanda da Secretaria Estadual de Saúde. No pedido, a pasta considera que encontrar uma empresa substituta é urgente e, por isso, o processo dispensaria a necessidade de licitação.
A busca por uma nova empresa acontece após a interdição do laboratório PCS Lab Saleme, responsável por erros em exames que culminaram na infecção por HIV de seis pessoas que estavam na fila do transplante e receberam órgãos de doadores soropositivo. A contratação desse laboratório também foi feita sem licitação.
A contratação sem licitação é permitida em alguns casos. A secretaria justifica que é urgente garantir a continuidade da realização do serviço de exames de análises clínicas compreendendo os exames de rotina, urgência e de emergência. Isso garantiria atenção ao contínuo compromisso de promoção da saúde aos pacientes.
Além da Central Estadual de Transplante, estão na lista outras dez instituições de saúde que serão atendidas pelo novo laboratório. São elas:
1.Hospital Estadual Anchieta (HEAN);
2.Hospital Estadual Carlos Chagas (HECC);
3.Hospital Estadual Eduardo Rabelo (HEER);
4.Hospital Estadual Santa Maria (HESM);
5.Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC);
6.Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária (IEDS);
7.Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capliglione (IEDE);
8.Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras (IETAP);
9.Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO);
10.Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ);
Procurada pela CBN sobre o processo, a pasta não retornou os questionamentos da reportagem.
Polícia Federal e outros órgãos já investigam o caso
A Polícia Federal investiga o caso dos pacientes do Rio que receberam órgãos infectados com o vírus HIV. A informação foi confirmada pelo Ministério da Justiça, que vê interferência no SUS e no Sistema Nacional de Transplantes, o que torna o assunto um tema de interesse da União.
Além da PF, também estão apurando o episódio o Ministério da Saúde, a Anvisa, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio. A Secretaria Estadual de Saúde também abriu uma sindicância.
Raquel Sthucchi, membro da Comissão de Infecção e Transplantes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, explica que o exame de sorologia HIV feito dos doadores é muito sensível, com até 99% de chance de ser detectado. Dessa forma, é muito difícil que um exame desse tipo dê um falso negativo.
“O exame de rotina para o diagnóstico de HIV pesquisa tanto o anticorpo do vírus quanto um pedaço do vírus. Então, o exame que a gente fala que tem muita sensibilidade. Quer dizer, ele detecta, tem muita chance de detectar a presença do HIV. A chance de um falso negativo é muito pequena”, afirma.
Contrato com a empresa está na mira do Ministério Público
No Rio, o Ministério Público investiga, além dos erros que resultaram na infecção dos pacientes, possíveis irregularidades na contratação do laboratório PCS Lab Saleme pelo governo do estado. O laboratório foi o responsável por erros em exames que culminaram na doação de órgãos de doadores soropositivo.
O grupo PCS Lab Saleme foi contratado pela Fundação Saúde em outubro do ano passado, por cerca de R$ 11,5 milhões, sem licitação. Depois do escândalo, veio à tona que um dos sócios da empresa, Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, é primo do ex-secretário de Saúde, o deputado federal Doutor Luizinho, líder do PP na Câmara dos Deputados. Em nota, Dr. Luizinho afirmou que conhece o laboratório Saleme, mas negou participação no processo de contratação.
Matheus também já trabalhou na Secretaria Estadual de Saúde do Rio. Ele foi contratado como funcionário terceirizado da Fundação Saúde, a empresa pública que contratou o laboratório. A Secretaria estadual de Saúde confirmou à CBN que Matheus “ocupou cargo administrativo entre os anos de 2021 e 2022”.
Sócios do laboratório já responderam por erro semelhante
Outro fato que chama atenção do Ministério Público e de outros investigadores é que sócios do laboratório PCS Lab Saleme já foram condenados anteriormente por erros semelhantes. Uma outra empresa, a Farroula Análises Clínicas, tinha como sócios Márcia e Walter Vieira, também sócios da PCS. Naquela época, uma paciente recebeu R$ 10 mil de indenização devido ao “intenso sofrimento e problemas em sua relação conjugal” causado pelo resultado positivo para HIV de um exame. A mulher, na verdade, não tinha o vírus e o teste do laboratório estava equivocado.
Laboratório se pronunciou sobre o caso; leia a nota na íntegra
“O laboratório PCS Lab abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados ocorridos no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969.
O laboratório informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado. Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso”.