Centenas de casais do mesmo sexo devem se casar na Tailândia na próxima quinta-feira (23), quando o país se torna o primeiro no Sudeste Asiático a reconhecer a igualdade no casamento.
O projeto de lei histórico marca uma vitória importante para a comunidade LGBTQ+, que luta há mais de uma década pelos mesmos direitos de casamento que os casais heterossexuais.
“Isso pode ser um modelo para o mundo porque agora temos a Tailândia como exemplo. Há uma verdadeira igualdade no casamento na Tailândia”, disse Kittinun Daramadhaj, advogada e presidente da Rainbow Sky Association of Thailand, uma das muitas que têm feito campanha pela igualdade.
De acordo com a legislação, aprovada pelo parlamento da Tailândia e endossada pelo rei no ano passado, casais do mesmo sexo poderão registrar seus casamentos com todos os direitos legais, financeiros e médicos, bem como direitos de adoção e herança.
A primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra saudou o sucesso do país em um evento na semana passada, quando convidou dezenas de casais e ativistas LGBTQ+ para os escritórios do governo.
“Isso demonstra que a Tailândia está pronta para abraçar a diversidade e aceitar o amor em todas as suas formas. Hoje mostra que nosso país está aberto e receptivo”, comentou ela.
As celebrações ocorrerão na próxima quinta-feira (23) em outras partes do país, estendendo-se da cidade costeira oriental de Pattaya até a cidade montanhosa do norte de Chiang Mai.
No centro de Bangkok, pelo menos 200 casais se inscreveram para se casar em um casamento em massa em um shopping popular, segundo o Bangkok Pride, que organizou o evento com as autoridades locais.
Espera-se que bandeiras do arco-íris ondulem pelo coração de Bangkok, com um “tapete do orgulho” a ser desenrolado em uma celebração para dar as boas-vindas aos recém-casados, e apresentações de celebridades e drag queens.
Um sonho se torna realidade
Para alguns, como Nina Chetniphat Chuadkhunthod, que comparecerá à celebração em massa no shopping Siam Paragon, o dia é muito esperado.
A mulher transgênero não conseguiu se casar com seu namorado de 22 anos porque não pode mudar legalmente sua identidade de gênero. Mas com o casamento entre pessoas do mesmo sexo agora sendo reconhecido, eles podem se casar.
“Sinto que, uau, meu sonho está perto de se tornar realidade”, disse a mulher de 42 anos à CNN durante uma entrevista recente.
Nina e seu noivo realizaram sua festa de casamento há três semanas.
Em um salão de casamento nos arredores de Bangkok, o casal caminhou até o altar de braços dados, enquanto as damas de honra espalhavam pétalas de rosas em seu caminho em meio a aplausos de amigos e parentes.
Eles planejam registrar seu casamento na quinta-feira (23).
“Senti o momento de maior orgulho da minha vida por poder fazer isso e deixar as pessoas saberem, deixar a indústria e os amigos ao meu redor saberem que eu poderia fazer isso”, comentou ela.
Um fator que adiciona urgência particular para o casal é a menina de 7 anos que eles criam como filha há três anos.
A menina é filha do tio de Nina, que não pode cuidar dela.
Eles planejam adotar a menina e viver uma vida como uma família, mas não podem fazer isso sem um casamento válido.
“Eu tinha lágrimas escorrendo dos meus olhos quando estávamos pensando sobre nossas vidas (sem a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo). E se… eu, ou ele, ou até mesmo minha filha adoecesse, quem cuidaria de nós?”, declarou ela.
Mas agora, ela disse: “Posso dizer com segurança que posso fazer isso, construir minha própria família.”
A filipina Ana Boncan conheceu sua namorada tailandesa Siri Wattanavikij por meio de um aplicativo de namoro há seis anos, quando ela estava trabalhando na Europa.
Em 2020, Boncan se mudou para Bangkok para ficar com ela.
“Com essa oportunidade de nos casarmos legalmente aqui na Tailândia, isso nos dá a oportunidade de ter um visto de casamento”, comentou Boncan.
Uma coisa na mente do casal é a possibilidade de uma delas ficar doente e a outra ser impedida de visitar ou tomar decisões de vida ou morte devido à falta de uma certidão de casamento.
“Quando vamos ao hospital, posso dizer a eles que esta é minha esposa, esta é minha parceira, ela toma decisões por mim, coisas assim. Ao contrário de antes, eles não aceitariam isso no hospital”, afirmou Ana.
A luta continua
Mas especialistas em direitos humanos alertaram que a Tailândia pode muito bem ser a última jurisdição asiática a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo por algum tempo, dado o progresso incremental em outras partes da região.
Mais de 30 jurisdições em todo o mundo agora reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com o Pew Research Center, mas a maioria dos avanços foi feita na Europa, na América, na região da Austrália, Nova Zelândia e em alguns lugares da Nova Guiné e as ilhas vizinhas.
A Tailândia é a terceira na Ásia a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, depois de Taiwan em 2019 e do Nepal quatro anos depois.
De volta à Tailândia, a luta por direitos iguais continua para outras minorias sexuais, como pessoas transgênero.
A defensora dos direitos Hua Boonyapisomparn, do grupo de defesa local Foundation of Transgender Alliance for Human Rights, disse que o próximo marco é o governo tailandês permitir que pessoas transgênero mudem sua identidade de gênero.
O país abriga cerca de 314 mil pessoas trans, de acordo com a Asia Pacific Transgender Network.
Há uma concepção comum de que pessoas trans são amplamente aceitas na Tailândia, em parte devido à acessibilidade da cirurgia de afirmação de gênero no país e à proeminência de artistas trans.
Mas pessoas transgênero locais, incluindo Chuadkhunthod, testemunhariam a discriminação cotidiana que enfrentam.
“Mesmo agora, como tailandesa, eles ainda nos desprezam, nos veem como uma piada. Eles riem e sorriem, cutucando uns aos outros enquanto olham para nós”, disse ela.
O parlamento rejeitou um projeto de lei de reconhecimento de gênero proposto em fevereiro passado durante o governo anterior apoiado pelos militares liderado por Prayut Chan-o-cha.
Ativistas agora estão tentando colocá-lo de volta na agenda política.
“Devemos usar a igualdade no casamento como uma oportunidade para abrir outra porta para o reconhecimento de gênero”, falou Boonyapisomparn.