O uso de câmeras corporais por policiais e o aviso de operações às áreas de saúde e educação no Rio de Janeiro devem ser mantidos no julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que começa na próxima quarta-feira, no Supremo Tribunal Federal. A ação, movida pelo PSB em 2019, impôs restrições às ações policiais em favelas na cidade do Rio durante a pandemia de Covid-19. De lá para cá, o ministro Edson Fachin, relator da ADPF 635, tomou medidas, em caráter liminar, para a redução da letalidade e maior controle da atividade policial, por meio do Ministério Público.
O julgamento terá, primeiro, as manifestações das partes envolvidas. Depois, os 11 ministros devem apresentar os votos. Caso haja pedido de vista, o julgamento pode ser paralisado por até 90 dias, até ser retomado. Independentemente do que for definido, o resultado terá efeito vinculante, ou seja, valerá para todos os tribunais do país.
O PSB, autor da ação, defende que o Plano de Redução de Letalidade Policial enviado pelo Governo do Rio ao STF seja rejeitado e que a Corte estabeleça a meta de 70% de diminuição de mortes por intervenção de agentes do Estado. Outras medidas defendidas pelo partido são o afastamento compulsório dos policiais envolvidos nas mortes e o acesso de vítimas e familiares a investigações, nos casos de abuso policial.
Por outro lado, o governador do Rio, Cláudio Castro, é contrário à ADPF das Favelas. Em encontro com o presidente Lula em 31 de outubro, ele afirmou que “as organizações criminosas se expandiram com as restrições impostas” pela ação, o que, segundo Castro, intensificou as disputas territoriais entre grupos rivais nos últimos anos.
O que dizem especialistas
O cientista de dados Leonardo Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), destaca que a ADPF das Favelas estabeleceu limites às operações policiais, como a excepcionalidade das ações em comunidades, para proteger a população e os próprios agentes.
“A letalidade no Rio de Janeiro vinha subindo ano após ano. Coincidentemente ou não, a partir do segundo semestre de 2020, a gente vê uma queda muito brusca na letalidade, justamente quando a decisão da ADPF, de 5 de junho de 2020, proíbe as operações policiais, salvo em situações de excepcionalidade, com um trabalho de inteligência, um objetivo claro e um planejamento, de forma a impactar o menos possível na rotina e trazer menos riscos para a população que está naquela área e para os policiais envolvidos”, ressalta.
O sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda, e afirma que o plano de redução de letalidade deve ser preciso – na visão dele, ao contrário do documento apresentado pelo Governo do Rio, em dezembro de 2022.
“A ADPF 635 atuou, por exemplo, no que foi feito de implementação das câmeras corporais e na proteção dos perímetros das unidades de saúde e escolares. Tivemos a decisão sobre uma atuação mais proativa do Ministério Público, através, por exemplo, do monitoramento das operações, dos relatórios de término, que permitem um balanço do saldo operacional de cada uma dessas ações… Há uma parametrização maior das operações policiais. Isso é positivo para que se possa fazer uma avaliação das ações. Que nós tenhamos finalmente um plano de redução da letralidade policial, com metas bem definidas, para ver se as medidas estão sendo cumpridas”, pontua.
O delegado André dos Santos Pereira, especialista em Inteligência Policial e Segurança Pública, ressalta que, no julgamento, novos pontos podem surgir, para além dos que já foram definidos por liminar. Ele defende a realização de operações com planejamento e opina que o tema deveria estar sendo discutido no Congresso, e não no STF.
“Se nós temos a necessidade de regulamentar as operações policiais, o debate deve ser travado no Congresso Nacional, com aqueles que são legitimados pelo povo para definir quais são as regras, principalmente em uma esfera tão relevante como a segurança pública. É óbvio que as operações policiais são um recurso importante para que a gente possa entrar em determinado local e de fato prender criminosos, mas a gente entende também que operações precisam ser muito bem planejadas”, diz.
A ADPF 635 está hoje no Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, na Presidência do STF, onde foram realizadas audiências sobre a ação, algumas com a presença de autoridades fluminenses.