Em uma das mesas mais procuradas e aclamadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr e o autor brasileiro Jeferson Tenório discutiram, nesse sábado, assuntos como literatura africana, racismo e conservadorismo na sociedade e em instituições.
Sarr é autor, entre outros livros, de “A mais recôndita memória dos homens”, publicada neste ano, e Tenório, de “O avesso da pele”, de 2020 – o livro foi retirado de escolas em três estados por “conter palavrões”, mas retornou às unidades semanas depois.
A presença de Mohamed Mbougar Sarr – ganhador do prêmio Goncourt, um dos maiores da França – era muito aguardada pelo público, que lotou o Auditório da Matriz e a área do telão, na praça de mesmo nome, assim como a fila de autógrafos.
O escritor senegalês afirmou que existe uma “ambiguidade” entre querer ou não ser premiado, diante do racismo na sociedade – ele chegou a citar que o escritor russo Fiódor Dostoiévski não era questionado sobre o porquê de escrever.
“A gente sabe que a instituição da qual nós desconfiamos pode nos premiar e que esse reconhecimento pode acabar nos levando mais longe, permitindo que eu simplesmente, como escritor, seja reconhecido e lido por um número maior de pessoas. Mas, ao mesmo tempo, esse reconhecimento pode acabar fazendo com que haja comentários do tipo: ‘olha, você só ganhou porque é africano’. A verdade é que o reconhecimento pode vir ou não vir quando você é africano. Então, a ambiguidade é total”, destacou.
Já Jeferson Tenório relembrou a censura do livro “O avesso da pele”, obra que lhe rendeu, em 2021, o Prêmio Jabuti em Romance Literário.
“Me parece que essa estratégia de reduzir o livro a uma questão que não tem nada a ver com a obra em si é uma forma de se espetacularizar a censura. Nesse sentido, foi bem sucedida, porque, logo depois, houve de fato o recolhimento dos livros por três estados. O que esse episódio me mostrou é que a ultradireita não sabe lidar muito bem com o desejo. O desejo é uma ameaça; não produz corpos dóceis. É um cinismo tão atroz”, disse.
Mbougar Sarr classificou o cantor e compositor Chico Buarque, com quem jogou futebol na última semana, como “lenda”, e destacou que a literatura passa por admiração por outros autores, que provoca, segundo ele, uma “paralisia provisória”, sucedida por novas obras.
*A repórter Mariene Lino viajou a convite do Grupo CCR.