A alta na quantidade de mulheres buscando técnicas de congelamento de óvulos no país fez com que empresas de diferentes setores passassem a oferecer uma espécie de vale-fertilização para as profissionais. O objetivo é tornar o procedimento mais acessível financeiramente, mas especialistas alertam que é preciso haver cuidados para que a companhia não participe da decisão sobre o momento adequado para a fertilização.
A biomédica Mara Borsato estabeleceu que 2024 é o ano limite para que ela faça inseminação artificial e tenha o primeiro filho. Ela diz que já adiou o plano algumas vezes e contou agora com o benefício de congelamento de óvulos oferecido pela empresa para viabilizar essa decisão:
“Depois que eu conquistei a realização profissional, foi que me aflorou o desejo de ser mãe. Uma coisa não impediu a outra. Eu acho que eu já poderia ter sido mãe antes se eu tivesse tido condições de que eu fosse ter uma pessoa que quisesse embarcar nisso comigo. Eu acabei de fazer 41 anos e é o meu ano limite para decidir mesmo ter um filho. Então, este ano essa é a minha meta de conseguir conquistar isso”, define.
Mulheres com mais de 30 que querem ser mães foi de 24% para 38%
Em um período de 20 anos, a quantidade de mulheres com mais de 30 anos que decidiram se tornar mães no país subiu de 24% para 38% em 2020: 4% passam pela maternidade depois dos 40 anos.
A ginecologista especialista em fertilização Mayra Nakano explica que esse comportamento tem acelerado nos últimos anos porque o procedimento evoluiu. As técnicas mais recentes são capazes de manter a qualidade dos óvulos em níveis melhores com o passar do tempo, o que permite às mulheres conciliar a maternidade com as conquistas profissionais:
“Junto com a evolução da técnica, eu acho que vem a mudança do padrão de vida da mulher. Hoje a gente opta por ter filhos mais tarde do que a nossa geração anterior. Então, são duas coisas que culminaram de acontecer juntas, e aí isso expandiu bastante a técnica. Geralmente são mulheres que estão num cargo mais de gestão, elas não podem sair de licença-maternidade por essa questão de ter um posto mais alto. Eu acho que as pacientes que têm esse benefício, geralmente elas não estavam pensando nisso, e aí porque tem o benefício, elas resolveram fazer.”
No entanto, Mayra pondera que o benefício do congelamento de óvulos oferecido por algumas empresas não deve servir como um estímulo indireto da empresa para adiar a gestação das profissionais.
No Brasil, companhias como Fleury, Mercado Livre, Ambev e Meta oferecem congelamento de óvulos como benefício para funcionárias. Em muitos casos, isso é oferecido não só a quem quer adiar o sonho de ser mãe, mas para quem passa por tratamentos – como os oncológicos – e querem garantir a fertilidade após esse processo.
Afrânio Haag, diretor de pessoas do Grupo Fleury, explica que a empresa arca com 40% do valor do procedimento, que pode chegar a R$ 30 mil. Apesar de ser um benefício oferecido pelo RH, todo o processo é conduzido pelo departamento médico da empresa, para não haver conflitos:
“Apesar de ser gerenciado pela área de pessoas, pela área de RH, existe uma equipe médica. Não se confunde um prontuário médico com a gestão de pessoas. Existe a confidencialidade médica. A questão médica de uma colaboradora é tratada pelos nossos médicos e isso é tratado lá. Então, não há uma confusão, não há uma interferência da empresa”, ressalta.
Ele pontua, porém, que o benefício deve ser oferecido junto com outras estratégias, como acompanhamento psicológico, auxílio-creche e período de licença-maternidade ampliado. Segundo Haag, a satisfação das profissionais com esse benefício acaba beneficiando também as próprias empresas
“Aumenta o engajamento, diminui o turnover, a rotatividade das pessoas e cria um ambiente de segurança. Então, acaba sendo um serviço, um benefício que a gente proporciona que melhora o clima da empresa e para quem toma desse serviço tem essa questão de engajamento e de se sentir acolhido, de se sentir cuidado.”
A biomédica Mara Borsato, que deve fazer a fertilização em breve, destaca que esse novo tipo de benefício tem outra consequência positiva: estimula que mulheres falem mais sobre maternidade e gestação:
“Eu acho que deveria ser mais falado, que as próprias empresas divulgassem mais essa possibilidade. Eu acho que realmente é um assunto que é pouco falado.”
Quanto custa para manter óvulos congelados?
Depois que os óvulos são congelados, é comum haver uma cobrança de cerca de R$ 1,5 mil para manter o congelamento por ano. Atualmente, a eficácia da técnica é de cerca de 35% por embrião formado. O índice sobe para quase 80% quando se somam três embriões.
* Estagiárias da CBN sob supervisão da chefia de reportagem