Na terça-feira (25) o STF definiu que o porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal não deve ser criminalizado. Em entrevista ao Estúdio CBN, o advogado Cristiano Maronna, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, diretor do Justa e autor do livro “Lei de Drogas Interpretada na Perspectiva da Liberdade”, desmistifica e explica aos âncoras Tatiana Vasconcellos e Fernando Andrade como deve funcionar aplicação da recente decisão do STF.
Segundo Maronna, ao aprovar a descriminalização, o STF enfatizou a necessidade de construir uma política de drogas multidisciplinar, que leve mais em consideração o caráter humano do que a repressão penal. No entanto, o advogado reflete que, se o Judiciário não se atentar, a decisão do Supremo pode não ter impacto na realidade.
“O grande problema é que, ao fim e ao cabo, a decisão do Supremo pode não ter impacto na realidade, justamente porque o valor probatório do testemunho policial e das provas ali ancoradas continuarão a ser decisivos para a caracterização do tráfico de drogas”, declarou.
“Espero que os juízes e tribunais brasileiros atentem para o fato de que o julgamento do Supremo trouxe, como primeira tese mais importante, a necessidade de prova da finalidade mercantil para a caracterização do tráfico, vedada qualquer possibilidade de presunção. Se presunção existe, ela tem que ser de uso pessoal, jamais de tráfico, qualquer que seja a quantidade.”
O advogado ressalta a importância de desmistificar a descriminalização ao relembrar que a aprovação do STF não significa legalizar a maconha. Ele detalha como a Lei de Drogas, aprovada em 2006, funcionava e o que mudará agora com a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal:
“A atual Lei de Drogas criminaliza a posse para uso pessoal e o tráfico. A diferença: a finalidade mercantil do tráfico é um crime grave, um crime equiparado hediondo com uma série de restrições na execução penal. Já o uso pessoal foi pensado pelo legislador como um crime punido com penas alternativas. Então, a lei nº 1.343, no artigo 28, diz que a posse de drogas é punida com advertência, prestação de serviço à comunidade e comparecimento a cursos educativos.”
‘Na decisão do Supremo, ele transformou esse artigo 28, que era uma norma penal, em norma de direito administrativo. Então, para não haver qualquer dúvida, o procedimento aplicável a quem é flagrado com drogas enquadrado no 28 passa a ser um procedimento não penal, um procedimento administrativo que vai envolver não o enfoque repressivo, mas o enfoque de saúde.”
“A verdade é que a descriminalização significa retirar do campo penal. A conduta era considerada crime, não é mais. No caso da Corte Brasileira, decidiu-se pela manutenção da ilegalidade. Então, sendo um ilícito administrativo, evidentemente, é uma conduta não permitida”, pontuou.
Cristiano Maronna explicou que, em um país marcado pela desigualdade social, a aprovação da lei de drogas gerou uma tendência a confundir usuários de maconha com traficantes, uma confusão que, na maioria dos casos, afetava desproporcionalmente pessoas negras. Para Maronna, o centro da discussão sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e a definição de uma quantidade específica foi eliminar a subjetividade na distinção entre uso e tráfico.
“No voto do ministro Alexandre de Moraes, a partir de uma pesquisa ampla, com mais de 600 mil autos de prisão em flagrante, ele chegou à seguinte conclusão, que jovens negros flagrados com 20 gramas de maconha eram, em regra, enquadrados como traficantes, e que pessoas brancas, em bairros nobres, com escolaridade elevada, eram flagrados com até 60 gramas e enquadrados como usuários”, relatou.
“A partir dessa constatação empírica, esse diagnóstico de que estava havendo um problema que não era resolvido pelo Legislativo, que não tomou nenhuma iniciativa para acabar com a subjetividade na distinção entre uso e tráfico, a partir dessa constatação da realidade, o Tribunal tomou essa decisão, é preciso fixar o critério objetivo”, complementou.
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* Estagiária da CBN sob supervisão de Laura Rocha