Quem navega pelas redes sociais já deve ter se deparado com vídeos em que crianças compartilham rotinas de cuidados com a pele, com hidratantes, cremes anti-idade, máscaras faciais e até ácidos. Há também aqueles em que elas fazem tutoriais de maquiagem e, nos Estados Unidos, essa onda já ganhou até nome, sendo apelidada de “Sephora Kids”, já que o público infantil tem lotado as lojas dessa rede de cosméticos atrás dos produtos que viralizam na internet.
Elis, de 7 anos, é vaidosa e curte maquiagens — Foto: Arquivo pessoal/Cariny Moura
Inspirada pelos vídeos virais, Elis, de 7 anos, deu um susto na mãe, a jornalista Cristina Sanches. Escondida, a menina passou no rosto um lip tint que, como o nome indica, é uma “tinta para lábios” de longa duração.
“Ela não conseguiu tirar esse batom e chegou chorando perto de mim, achando que tivesse manchado o rosto. Foi uma coisa que ela viu na internet e quis fazer. Ela ficou com o rosto todo vermelho. Não chegou a provocar algum tipo de alergia, mas olha o risco”, alerta Cristina.
Já quem sofreu com reações alérgicas foi a Alexia, de apenas 4 anos, filha da enfermeira Cíntia Alves. Ela teve uma reação após usar produtos faciais da mãe. Depois desse dia, a família toma cuidados extras com o uso dos produtos.
“Alexia é uma criança muito vaidosa, ela gosta muito de passar maquiagem e passou uma vez uma maquiagem minha, uma sombra nos olhos e um blush. Ela teve um edema ocular, tivemos que procurar um dermatologista e fomos informados que ela tinha dermatite atópica. Vários produtos, até mesmo de cabelo, causam alergia nela, desde esse edema ocular até manchas na pele, coceiras, vermelhidão. A gente tem um cuidado extra agora”, conta Cíntia.
O pediatra e sanitarista Daniel Becker diz que a popularização dos cosméticos entre o público infantil é preocupante. Para ele, além das possíveis consequências físicas, como as alergias, o incentivo à adultização também é nocivo à saúde:
“Uma coisa é uma criança se maquiar de palhaço, de princesa, porque acha bonitinho, está brincando. Outra é querer se comparar e se achar mais bonita, ficar igual à moça do filtro do Instagram ou a modelo. A adultização tem vários processos e esse é um deles: ter vergonha de brincar com boneca, preferir ficar no celular, sedentária, com o corpo parado. Isso vai gerando uma coisa chamada ‘estresse tóxico da infância’, o que provavelmente vai repercutir muito mal na vida adulta.”
Quando o assunto é skincare, a dermatologista Graziela Alencar ressalta que a pele age como uma barreira contra inúmeros agentes agressores, como fungos, bactérias e vírus e, em crianças, essa barreira é ainda mais sensível. Por outro lado, ela avalia que a busca pelo autocuidado entre os mais jovens pode ser benéfica se direcionada corretamente, podendo, até mesmo, ajudar a diminuir os índices de câncer de pele.
“Não acho que isso seja totalmente ruim. Tenho pacientes que falavam que, quando eram novas, passavam óleo de avião, por exemplo, porque o que elas queriam era ter um bronze perfeito e, hoje, chegam no meu consultório crianças que estão preocupadas em usar protetor solar. O câncer de pele não melanoma é o mais comum no mundo inteiro, e é um câncer que a gente pode prevenir. De uma forma geral, uma criança a partir de 6 anos precisa limpar o rosto com um sabonete que seja gentil, além de hidratar e usar protetor solar. Se a gente conseguir orientar bem, podemos mudar a história de uma geração.”
Só no TikTok, a hashtag skincare acumula mais de 18 milhões de visualizações. Com a popularidade crescente desses conteúdos entre crianças e adolescentes, a orientação dos especialistas é evitar ao máximo os cosméticos, a não ser que sejam indicados por médicos.