Entre 2019 e março de 2024, ao menos 40 mulheres denunciaram terem sido vítimas de violência obstétrica no Brasil. O dado é de um levantamento feito pela Associação de Doulas do Rio, com colaboração da Defensoria Pública fluminense. A iniciativa criou o projeto “Doula a Quem Quiser”’, que recebe relatos de puérperas e encaminha às autoridades competentes.
Somente no Rio de Janeiro, área central de atuação do grupo, foram 36 denúncias recebidas. Outras quatro foram registradas em São Paulo, Santa Catarina, Paraná e na Bahia, sendo uma em cada estado.
O número de reclamações vem crescendo nos últimos dias, após um caso envolvendo uma paciente de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A gestante deu à luz no chão, depois que uma médica negou a internação. A profissional foi demitida pela prefeitura após o episódio ganhar repercussão nas redes sociais.
Mulher deu à luz na recepção da maternidade, em Duque de Caxias. — Foto: Reprodução/ TV Globo
A presidente da Associação de Doulas do Rio, Gabriela Santoro, conta que o projeto surgiu de casos vistos no dia a dia pelas profissionais, que ajudam as mulheres durante a gravidez e o parto:
“Nós sempre estamos ouvindo relatos de violência obstétrica ou até mesmo, infelizmente, presenciando a violência obstétrica acontecendo ali na nossa frente. A gente sabe que muitas vezes as mulheres não denunciam, porque sequer elas conseguem nomear o que elas passaram. A violência obstétrica é, há muito tempo, naturalizada, mas isso não é verdade. A gente não quer parir a qualquer custo, a gente não quer parir desamparada, a gente não quer parir com violência, a gente quer parir com dignidade, a gente quer parir com respeito”, relata.
Outro caso grave aconteceu há sete meses em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Uma mulher entrou em trabalho de parto e ficou sem acompanhamento médico durante todo o processo, que teve apoio apenas do pai da criança. Somente após o nascimento da menina, uma profissional de saúde prestou apoio, mesmo com pedidos de socorro desesperados da família.
Violência obstétrica é crime?
Ainda não há no Brasil uma lei que especifique como crime a violência obstétrica. Contudo, alguns casos podem ser enquadrados em outros crimes, como o de lesão corporal, crime contra a honra ou ameaça.
A coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do RJ, Flávia Nascimento, explica que a violência obstétrica ainda enfrenta dificuldades de compreensão até mesmo no sistema judiciário.
“No sistema de Justiça, se busca verificar se houve ou não um erro médico, que muitas vezes não vai ser configurado e, quando não acontece um erro médico, a gente afasta toda a dimensão e a amplitude do que significa esse fenômeno da violência obstétrica, que é a violação à dignidade da mulher, causando danos, sofrimento, abalos psíquicos. Então, a gente precisa que não só os profissionais de saúde sejam qualificados e capacitados, mas também o sistema de Justiça e de segurança pública tenham a compreensão desse fenômeno”, defende.