A essência do bom músico está em ser percebido sem falar uma única palavra. Assim como é impossível resumir um ídolo do futebol em poucos elementos, é impossível resumir Jorge Ben Jor, aniversariante deste 22 de março.
São 85 anos de uma vida marcada pela arte em seu estado mais admirável. Um músico com “M maiúsculo” que não quis seguir a carreira no futebol – sorte a nossa -, mas na música fala dele como poucos.
Um flamenguista declarado e apaixonado. Arrisco dizer que poucos definem o Mais Querido de uma forma tão magistral e que, ao longo dos anos, se mostrou em uma simbiose perfeita com o Flamengo. É impossível contar a história de um, sem falar do outro.
‘O estilo Jorge Ben’
1963: o mundo conhece Jorge Duílio Lima Meneses com “Samba Esquema Novo”. Com um violão que fez tim-dom, o povo ouviu o samba e sambou, toda turma gostou.
Mané Bossa Nova, apareceu para o mundo um cara que misturou soul, rock, bossa e África. Tão único, tão revolucionário que foi capaz de aparecer nos holofotes quando era o momento de Tim Maia e deixar Gilberto Gil sem chão, obrigando o baiano a tropicalizar pouco depois.
Jorge, que na época era só Ben, nunca se encaixou em estilo musical nenhum e, por isso, criou um só seu “o estilo Jorge Ben”. Loucos ou preconceituosos tentaram resumir Jorge Ben a um músico intuitivo e pouco técnico, mas a história foi, desta vez, correta. 61 anos depois, eu estou aqui falando da importância dele para o país.
Mão na taça (de novo)
E numa simbiose perfeita, 1963 também foi um ano importante para o Flamengo. O rubro-negro não levantava um troféu estadual há sete anos.
Fla x Flu na final, Maracanã com um público muito maior do que o permitido. Oficialmente: 194.603 torcedores. Na realidade, mais de 200 mil presenciaram o goleiro Marcial parar Escurinho.
Numa cena contada com diversas versões, a bola marrom, difícil de enxergar, ainda mais em um estádio sem espaço para um pingo de chuva de tão lotado, foi finalizada pelo atacante tricolor. Para tristeza da torcida do Fluminense, ela não entrou. Para a alegria dos flamenguistas, Marcial levantou a bola no alto, segura nas mãos, antecedendo o levante do troféu que encerraria o jejum.
“Eu sou Flamengo…”
Em 1969, mais uma vez, Jorge Ben Jor faz história e lança “País Tropical”. Podem passar mais outros 55 anos que ninguém jamais vai falar com tanto amor e particularidade “sou Flamengo”. As palavras na voz de Ben tem outro significado
Não foram poucas as vezes que o cantor falou do rubro-negro. Uma das maiores homenagens foi em 1972 para o mineiro Fio. Um jogador imprevisível, transformado em anjo pelo torcedor Jorge Ben, que estava na arquibancada do Maracanã naquele 15 de janeiro de 1972.
O Benfica era o atual líder do Campeonato Português, chegou para o jogo com o Flamengo sem Eusébio, lesionado, mas tinha José Henrique, Artur Correâ e o atacante Jordão. Fio não era o jogador favorito de Zagallo, técnico do Flamengo na ocasião, mas a arquibancada gritava por Fio e o Flamengo precisava do imprevisível.
Fio, que se tornou Maravilha após a belíssima canção de Jorge Ben e um dos maiores sucessos do cantor, resolveu.
Nasceu nesta música a magnética, adjetivo único que define até hoje a torcida do Flamengo e só poderia ter vindo de Jorge Ben Jor.
Em 1975, no álbum “Solta o Pavão”, a música “Zagueiro” abre o disco. E aqui vai mais uma das qualidades de Jorge Duílio: a de prever o futuro.
Dizem os estudiosos, que “zagueiro” foi feita para o jogador Rondinelli, o anjo da guarda da defesa. Três anos depois, em 1978, o “Deus da Raça” marcou o gol do título estadual rubro-negro em cima do grande rival Vasco da Gama. O gol do zagueiro após um passe de Zico abriu as portas para uma geração marcante, craque o Flamengo faz em casa.
Camisa 10 da Gávea
E como falar de um ídolo do tamanho de Jorge Ben e não falar do maior camisa 10 de todos os tempos da Gávea? Seria até um absurdo um mestre não falar de outro mestre e Jorge Ben Jor definiu, como ninguém nunca conseguiu, o camisa 10 da Gávea, Zico.
A dupla teve outra parceria. Em 1981, o Flamengo foi campeão mundial em cima do Liverpool por 3 a 0. Mas, na semana anterior, o rubro-negro teve o duelo decisivo contra o Vasco pelo Campeonato Carioca de 1981.
Nos dois jogos anteriores, o Flamengo saiu derrotado e Jorge Ben Jor enviou uma fita cassete para o elenco rubro-negro com a música “Para que Digladiar”, em que diz: “de domingo não passará”. Não passou. Flamengo venceu por 2 a 1 com gols de Adílio e Nunes.
Falei que Jorge Ben Jor prevê o futuro porque até quando nada tem relação com o Flamengo, acaba no fundo tendo.
Gabriel Guerreiro Galáctico
Pedrinho vai ser papai e Gabi, o predestinado, veio aí, em baixa agora é verdade, mas protagonista nos momentos que o Flamengo mais precisou dele.
Jorge Ben Jor é um personagem multicultural, não se aplicam regras, nem se explica a mágica que ele tem. O Brasil talvez ainda não tenha entendido a sua importância e a sua relevância para a revolução da música mundial, mas talvez Jorge Ben entenda. Ele sabe a grandeza que tem.
O Flamengo também é assim. É um clube do povo, da rua, presente nas esquinas e difícil de definir como poucos. Aliás, só um ser único poderia definir o Flamengo. Jorge Ben Jor fez na música, Nelson Rodrigues nas crônicas.
Disse ele uma vez: ‘’Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, bem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável”. Salve Jorge, Hugo!