Milhares de mulheres se manifestam nesta sexta-feira (8) na Argentina pelo Dia Internacional da Mulher e em repúdio a políticas do atual governo argentino. Este é o primeiro 8 de março sob a Presidência de Javier Milei, que assumiu o cargo com um discurso marcadamente anti-feminista.
Uma das primeiras medidas do governo foi eliminar o ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade, que virou uma subsecretaria.
Quando questionado sobre o assunto nesta semana, em uma de suas entrevistas coletivas diárias para a imprensa, o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, afirmou que “o ministério da Mulher deixou de existir e pelo menos durante este governo não vai existir jamais”.
Dias antes do Dia Internacional da Mulher, Milei, em discurso para jovens estudantes no colégio do qual foi aluno, afirmou que para ele “o aborto é um assassinato” e falou em “assassinos dos lenços verdes”, em relação às mulheres que carregam um lenço que simbolizou a campanha pela legalização do aborto no país, aprovada em 2020.
A Argentina tem um dos movimentos feministas mais fortes da América Latina e é referência não somente para a região, mas para o mundo.
Milhares de mulheres foram às ruas, em 2015, no movimento que ficou conhecido como Ni Una Menos (Nem uma a menos), contra a violência de gênero, após o estupro coletivo e assassinato de uma jovem, e depois nas discussões legislativas pela legalização do aborto, em 2018 e 2020.
Lucía Cavallero, uma das mobilizadoras do movimento Ni Una Menos, conta que milhares de pessoas voltam à Praça do Congresso nos primeiros meses de um governo que “promoveu ataques sistemáticos que impactam diretamente as mulheres” não só por políticas de gênero, mas também econômicas.
“Neste 8 de março o eixo está na crise alimentar e de moradia. Tivemos um retrocesso tão grande, que estamos discutindo a fome”, pontua.
“O ataque mais sistemático tem a ver com o ajuste econômico, que impacta em cheio as mulheres. Não estão entregando alimentos a refeitórios comunitários que atendem principalmente mulheres, cancelaram um programa Potenciar Trabalho [de trabalho em cooperativas], do qual a maioria das beneficiárias são mulheres”, adicionou.
Ela também ressalta medidas do atual governo, como o fim de inscrições para o programa “Acompanhar”, que auxilia economicamente mulheres vítimas de violência de gênero de alto risco, para que não tenham que morar com seus agressores, e a proibição da linguagem inclusiva e da perspectiva de gênero em toda a administração pública.
Líderes feministas citam iniciativas como a da Lei Ônibus, um megaprojeto de lei de Milei que acabou barrado pelo Congresso, que restringia a aplicação da Lei Micaela, sobre formação de agentes públicos em perspectiva de gênero.
Também apontam para o envio ao Congresso, por legisladores do partido governista A Liberdade Avança, de um projeto de lei para revogar a legalização do aborto, que por enquanto acabou não prosperando.
“Há provocação permanente deste governo e um discurso, a partir do Estado, de criminalização do movimento feminista, mas, para além da retórica, achamos que eles [governantes] são perfeitamente capazes de revogar o direito ao aborto ou de fazer qualquer tipo de manobra anticonstitucional”, alerta Cavallero.
A ex-chefe de gabinete do ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade do governo do ex-presidente Alberto Fernández, Erica Laporte, denuncia que não houve nenhuma reunião de transição para que pudessem contar para a atual administração quais eram as políticas públicas que não poderiam ser freadas para a proteção de mulheres.
“Ao não ter essa transição institucional, que seria o pertinente para qualquer governo, houve muita angústia das trabalhadoras do ministério que colocaram em prática essas políticas públicas”, diz.
Ela também garante que a subsecretaria que agora assume as tarefas da pasta é uma “vitrine”, já que muitas políticas continuam ativas, mas, ao não haver um exercício de implementação, o que se mantém é o que a sociedade já tem incorporado, como as linhas de denúncias de violência.
Laporte destaca ainda a não renovação do programa público para a contratação de empregadas domésticas, trabalho realizado essencialmente por mulheres e que era levado a cabo pelo ministério das Mulheres com o Ministério do Trabalho “para que sejam registradas e tenham um trabalho digno”.
Outro alerta entre as manifestantes é a política da atual ministra da Segurança de Milei, Patricia Bullrich, que impede a obstrução de ruas, quando as concentrações de mulheres argentinas costumam ser multitudinárias.
Luta histórica e possível repressão
Algumas integrantes do movimento feminista dizem ter medo de uma possível repressão.
Entretanto, este não é o caso de Dolores Fenoy, uma das feministas argentinas consideradas “históricas”, que lembra da primeira marcha do 8 de março após o retorno da democracia no país, em 1984.
“Naquele momento, nós, feministas, reivindicávamos o direito à maternidade desejada e algumas carregavam cartazes de ‘Eu Abortei’. Eramos muito poucas”, recorda.
“Precisou de 16 anos para conseguirmos a legalização do aborto, conseguimos crescer, fazer alianças estratégicas com diversos setores, ganhamos uma batalha cultural com a questão do aborto no país”, conclui.
Sobre a marcha com o novo protocolo do governo, ela diz não ter medo.
“Sabemos que a massividade é nossa maior autodefesa. Tomamos os cuidados para que não nos aconteça nada, com o autocuidado entre todas”, conta, destacando, no entanto, que há alerta sobre possíveis episódios de repressão.
Nesta sexta, o porta-voz presidencial afirmou que o governo Milei é o que mais tem participação de mulheres em seu gabinete em comparação com governos kirchneristas. O índice é de 45% de representação, contra 20% da gestão de Néstor Kirchner e 25% da ex-presidente Cristina Kirchner.
Paralelamente, ele anunciou, no entanto, que o Salão de Mulheres, da Casa Rosada passará a se chamar Salão dos Próceres [Fundadores da Pátria].